Alguns livros não caem bem nas telas

A melhor coisa da ficção científica e dos livros de fantasia é que nossa mente pode navegar até onde a realidade não chega. Ainda que a computação gráfica tenha evoluído a ponto de gerar universos virtuais, ainda existem títulos que dificilmente seriam adaptados com sucesso para as telonas. De qualquer forma, não custa sonhar, nem tentar.
Texto compartilhado de: http://blog.estantevirtual.com.br/

Esse livro remove uma noção fundamental nas relações sociais: gênero. As pessoas no planeta Gethen não têm um sexo definido. Eles passam por fases durante seu desenvolvimento e mudam de órgãos e de apetite sexual. Eles podem engravidar numa fase da vida, engravidar outra pessoa num outro momento e não ser nem menino nem menina entre essas gestações.
Para levar este conceito ao cinema, não basta usar atores de visual andrógeno. É preciso criar um mundo onde o conceito de gênero fixo não existe. E não bastaria que os personagens acreditassem nisso. O público teria que entender e aceitar essa mudança de paradigma. Ou seja, nada de galãs e namoradinhas de Hollywood no elenco. E uma produção com orçamento grande o bastante para criar esse mundo, mas sem nenhum astro atrelado ao projeto? Acho que não, hein? Mas que seria um filmão, isso seria.

Quem não quer mais um filme baseado na obra de J.R.R. Tolkien? Quem não quer assistir a história das três jóias de Fëanor em 3D? Quem não quer ver a Guerra da Última Aliança entre os Númenóreans e as forças de Sauron?
Resposta: ninguém. O público dos Cinemarks da vida não aguentaria O Silmarillion. Nem J. R. R. Tolkien aguentou! A obra foi publicada 4 anos após seu falecimento e, além de conter um semi-prólogo para O Senhor dos Anéis, também conta histórias abstratas como Ilúvatar criando Ainur para fazer música celestial antes de cair em Arda. É pouco provável que os estúdios de cinema embarquem nessa viagem.

Depois da batalha em que o povo de Tigana matou o filho de um senhor local, este não só consegue se vingar da população como usa um feitiço para apagar a existência daquele país da memória de seus cidadãos. A não ser por alguns rebeldes, a maioria dos cidadãos acredita que eles são uma província menor de Corte, conhecida como “Corte Baixa”, para indicar não apenas sua posição geográfica como também seu status em relação ao resto da região.
À primeira vista, não parece se tratar de uma história infilmável. Afinal, temos rebeldes, um rei mau e o conceito de luta por nacionalidade. Mas ao mesmo tempo, o livro é a batalha pela mente das pessoas, não por uma região geográfica. A nação tem que se reconhecer independente para ser independente, o que gera a nebulosidade política do livro. A maior parte das pessoas do mundo vem de regiões que, em algum momento, foram conquistadas e acabaram se fundindo aos conquistadores. O momento em que uma nação se rende é parte inescapável da conquista da paz. Agora, se você não sabe contra quem você um dia lutou, como se render? E como filmar isso?